Rainn
Wilson, Ator
Publicado em 12 de abril de 2012 às 10:26
[tradução]
Conforme temos sido relembrados incontáveis vezes
ao longo das semanas passadas, há cem anos o “inafundável”
Titanic afundou no Atlântico Norte, levando consigo mais de 1.500
vidas. A tragédia tornou-se tema de algumas históricas épicas.
De todas essas históricas, uma das mais
extraordinárias é a de um persa de 68 anos de idade que, na
verdade, não embarcou na malfadada nau, mas que o deveria ter feito.
Abbas Effendi – conhecido como 'Abdu'l-Bahá ou
“o Servo de Deus” -- foi retratado pela imprensa tanto na Europa
quanto nos Estados Unidos como um filósofo, um apóstolo da paz, até
mesmo como o retorno de Cristo. Seus admiradores norte-americanos o
haviam enviado milhares de dólares para que comprasse uma passagem
para viajar no Titanic, e o imploraram que embarcasse com a maior
opulência. Ele não aceitou e doou o dinheiro para ações de
caridade.
"Convidaram-me para navegar à bordo do
Titanic," ele disse depois, "mas este não era o desejo de
meu coração."
Em vez disso, 'Abdu'l-Bahá navegou até Nova
Iorque à bordo do SS Cedric, um navio mais modesto. Todos os grandes
jornais de Nova Iorque cobriram sua chegada em 11 de abril e a sua
subsequente caravana de oito meses pelo território estadunidense.
Esse forasteiro de turbante, que usava “robes orientais” se
tornou notícia de capa.
O New York Times reportou
que sua missão era “acabar com os preconceitos... preconceitos
de nacionalidade, de raça, de religião.” O artigo também o
citou diretamente: “É chegada a hora de a humanidade levantar o
estandarte unidade da humanidade, a fim de que as fórmulas e
superstições dogmáticas possam chegar ao fim.”
Diversas vezes, a imprensa o chamou de profeta,
especificamente de “profeta persa” (ah, as aliterações!). Uma
chamada, logo após sua palestra na Universidade de Stanford, dizia: “Profeta Diz que Não é Profeta.” 'Abdu'l-Bahá era na
realidade o líder da então nascente Fé Bahá'í, apesar de
consistentemente negar essa coisa de profeta.
Ele pregava a fé fundada por seu pai,
Bahá'u'lláh, em meados de 1800, fundada na unidade de todas as
religiões. À época, havia apenas umas poucas centenas de bahá'ís
nos Estados Unidos; hoje são 150.000. Dia após dia, mês após mês,
multidões por todo o país (muitas vezes aos milhares) se reuniam
para ouvi-lo falar. Em sinagogas ele louvava a Cristo. Em igrejas,
exaltava os ensinamentos de Mohammed. E por todas as suas viagens,
sua companhia era buscada por pessoas influentes como Andrew
Carnegie, Alexander Graham Bell e Kahlil Gibran.
'Abdu'l-Bahá (à direita) com seu
irmão Mirzá Mihdí/Wikimedia Commons
Como foi que 'Abdu'l-Bahá veio a inspirar tantas pessoas – essa figura obscura do oriente que passara 40 e tantos anos aprisionado por causa de sua religião, que nunca frequentara a escola ou fora exposto à cultura do ocidente?
Suspeito que isso tenha algo a ver não apenas com
o que ele disse, mas com o que ele fez. "Ele é o único homem
no mundo que, ao redor de sua mesa de jantar, juntou persas,
zoroastrianos, judeus, cristãos, maometanos”, [sic] escreveu
Kate Carew (a Liz Smith de seu tempo) ao New York Tribune.
Mais à frente no artigo, ela descreveu a visita de 'Abdu'l-Bahá à
Missão Bowery no Lower East Side – onde ele pessoalmente entregou
moedas de prata a 400 desabrigados.
Durante toda a sua visita aos Estados Unidos, ele
deixou de lado o protocolo da segregação, insistindo que todos os
lugares em que falasse fossem abertos a pessoas de todas as raças.
Não era algo que agradasse às multidões na época. No Great
Northern Hotel na Rua 57 (onde agora se localiza o Parker
Meridien), o gerente veementemente negou-se a permitir que os negros
adentrassem o recinto.
"Se as pessoas virem uma pessoa de cor que
seja entrando em meu hotel, nenhuma pessoa de respeito jamais
colocará seus pés aqui novamente”, disse ele. Então, em vez do
encontro no hotel, 'Abdu'l-Bahá decidiu organizar um banquete
multi-racial na casa de um de seus seguidores, no qual vários
brancos serviram aos negros – uma atitude subversiva e até mesmo
perigosa naqueles tempos.
Somente
entre os seres humanos é que a cor da pele era causa de discórdia,
'Abdu'l-Bahá afirmou
certa vez. “Os animais, apesar do fato de serem desprovidos de
razão e compreensão, não tornam as cores causa de conflito. Por
que motivo deveria o homem, que possui razão, criar conflito?”
As palestras de 'Abdu'l-Bahá pungiam a plateia
com uma simplicidade radical. E ainda assim, ele promoveu ideias com
as quais os norte-americanos lutam até hoje, um século depois: a
necessidade da verdadeira harmonia racial e igualdade de gênero; a
eliminação de extremos de riqueza e pobreza; os perigos do
nacionalismo desenfreado e da intolerância religiosa; e a
insistência na busca independente pela verdade. Alguma dessas fichas
caiu em 2012?
Sua missão de unidade, espalhada por toda a nação
estadunidense há cem anos, deveria ser celebrada juntamente com as
mensagens de Gandhi, do Dalai Lama e de Martin Luther King Jr.
Em sua primeira palestra
pública nos Estados Unidos – na Igreja da Ascensão de Nova
Iorque, na 5ª Avenida com a Rua 10 – 'Abdu'l-Bahá estimulou o
progresso material da América do Norte nas artes, na agricultura e
no comércio, mas com o cuidado de também desenvolvermos nossas
potencialidades espirituais.
“Pois o homem necessita de duas asas. Uma asa é
o poder físico e a civilização material; a outra é p poder
espiritual e a civilização divina. Somente com uma asa, o vôo
torna-se impossível.”
Ele deu essa palestra em 14 de abril de 1912. Mais
tarde nesse mesmo dia, o Titanic atingiu o iceberg.
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