Na minha convivência sempre encontrava gente que se espantava com isso. Desde pequeno me
perguntavam se os iranianos falam árabe, se comem kibe, tabule e esfiha etc. Na hora me vinha a
imagem do meu pai, zangando, dizendo com um sotaque carregado: fala para os seus amigos que
somos persas, viemos de uma grande civilização de mais de 2500 anos. Diga a eles que Ciro foi um rei justo e que em 539AC escreveu a primeira “carta de direitos humanos” - o cilindro de Ciro - libertando os escravos e trazendo liberdade de religião a todos os cidadãos do império persa.
Ao contrário do que muitos pensam, não nutro ódio nem raiva pelos dirigentes iranianos. A política partidária para mim, como membro da Fé Bahá’í tem pouca importância. Apesar de membros da minha família terem sido mortos por esse regime, nunca concentrei os meu pensamentos em idéias negativas.
Por outro lado, sempre sonhei com o dia em que os bahá’ís deixariam de ser perseguidos e mortos, um dia em que teriam a oportunidade de voltar às escolas e universidades, trabalhado e vivendo suas vidas como cidadãos em pleno gozo de seus direitos.
Quando o presidente Ahmadinejad chegou ao Brasil, muitas idéias me vieram à cabeça. A mais
estranha delas era poder exercitar o meu “farsi” fazendo perguntas à ele sobre a situação do Irã.
Se o Sr. Parviz (meu pai) estivesse vivo, ele certamente me pediria que perguntasse ao Presidente do Irã, no meu farsi desengonçado, se ele se esqueceu dos ensinamentos de Ciro, o Grande ensinou.
Se o Sr. Ahmadinejad não tivesse faltado a palestra que daria em uma faculdade em Brasília, talvez eu lhe perguntasse se conhece os textos de Rumi, o poeta persa mais conhecido e traduzido do mundo, que diz:
“Não pertenço a nenhum credo ou religião, não sou oriental nem ocidental, muçulmano nem infiel, zoroastriano, cristão, judeu ou gentio. Não venho da terra nem do mar, não sou parente dos de cima nem dos de baixo, não nasci longe nem perto, não vivo no paraíso nem nesta Terra, não me digo descendente de Adão e Eva, nem dos anjos do céu (...).”
Perguntaria se ele nunca leu o texto de seu conterrâneo Mirza Hussein Ali, conhecido como
Bahá’u’lláh, que no séc. XIX, de uma prisão no Irã escreveu:
“Que não se vanglorie quem ama o seu próprio país, mas quem ama o mundo inteiro. A terra é um só país e a humanidade os seus cidadãos."
Acho que meu pai ficaria orgulhoso de mim, como brasileiro-iraniano, se eu pudesse lembrar o
presidente Ahmadinejad que na tradição do Irã não existe lugar para ódio e discriminação; que
maltratar crianças, mulheres e homossexuais é indigno da condição humana; e que o respeito às
diferenças de religião e pensamento é a premissa fundamental para a coexistência pacífica dos
povos.
*Cineasta e sócio da Usina de Conteúdo
Publicado no Jornal O Estado de São Paulo – Estadão
24 de novembro de 2009
Publicado no Jornal O Estado de São Paulo – Estadão
24 de novembro de 2009
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