Finalistas do concurso Miss Bahia. Das 30 participantes apenas Priscila Santiago (quarta ao fundo D/E) é negra |
Por Antônio
Gabriel Marques Filho*
O
Brasil é racista. Apesar de raras menções na mídia, da fácil
naturalidade em que se fala de fatos explicitamente discriminatórios
e que são absorvidos como normalidade, o mês de Maio foi repleto de
acontecimentos emblemáticos. Eventos atingindo pessoas e fatos
abrangendo instituições. No concurso Miss Bahia, entre 30
finalistas encontramos apenas uma negra, em um Estado onde 78,8%
(IBGE 2009) são afrodescendentes. O fato gerou uma onda de
questionamentos nas redes sociais, somente amenizada com a eleição
da única negra selecionada à final.
Santa
Catarina, estado em que o percentual de afrodescendentes é de 11,7%
(IBGE 2009), surpreendeu o país quando a capital, Florianópolis,
elegeu uma negra como sua representante em 2013. Encerrando o mês,
houve a suspensão por decisão judicial, de quatro editais para
produtores negros editados pelo Ministério da Cultura em parceria
com a Seppir, no Maranhão, onde 74,3% (IBGE 2009) da população são
afrodescendentes.
Ao
se referir à suspensão dos editais, a ministra da Secretaria da
Igualdade Racial, Luiza Bairros, afirmou que “a decisão judicial
(cotas) demonstra que a vitória jurídica obtida no Superior
Tribunal Federal deverá ser seguida por uma outra batalha, a
ideológica, até que as ações afirmativas sejam entendidas como
necessárias em todos os campos da vida social, e não apenas na
educação”.
O
governo brasileiro em sua estrutura institucional e legislativa, num
reconhecimento da existência histórica de graves distorções nas
relações raciais, estabeleceu instrumentos como a Secretaria de
Promoção da Igualdade Racial, a Lei 10.639/03,
para que o ensino da história e cultura Afro-Brasileira integre o
currículo das escolas, e a Lei 12.288/2010, por meio da qual o
Estatuto da Igualdade Racial garante à população negra a
efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa de seus direitos
e de combate à discriminação. As políticas de ação afirmativa,
como as cotas raciais em universidades, buscam a inclusão social. O
Código Penal está sendo revisado para incluir legislação
anti-racista em seu corpo, para correção das desigualdades raciais
e para a promoção da igualdade de oportunidades. (Art
1º/ IV: ações afirmativas).
Em
decorrência da ação do Juiz José Carlos do Vale Madeira, da 5ª
Vara da Seção Judiciária do Maranhão, que levou a suspensão dos
editais do Ministério da Cultura direcionados aos artistas e
produtores negros, a sociedade manifesta seu repúdio. O Fórum
Nacional de Performance Negra
convoca
artistas, estudantes, produtores, pesquisadores e militantes para a
criação conjunta de um Manifesto
em defesa do Artigo 1° do Estatuto da Igualdade Racial.
A ação ocorrerá no dia 07/06/2013 às 18:30, na Biblioteca Pública
do Estado da Bahia, R. General Labatut, n 27. Para a reunião está
confirmada a presença de Hilton Cobra, Presidente da Fundação
Cultural Palmares, enquanto a ministra da Cultura afirma que o
governo já recorreu da decisão, qualificando-se como "racista".
Comentando
a questão racial brasileira, o Ministro do STF Joaquim Barbosa
afirmou: “Acho que a discriminação, como componente indissociável
do relacionamento entre os seres humanos, reveste-se de uma roupagem
competitiva. O que está em jogo aqui é, em certa medida,
competição: é o espectro competitivo que germina em todas as
sociedades. Quanto mais intensa a discriminação e mais poderosos os
mecanismos inerciais que impedem o seu combate, mais ampla se mostra
a clivagem entre o discriminador e o discriminado”.
Para
o ministro, daí resulta, inevitavelmente, que aos esforços de uns
em prol da concretização da igualdade se contraponham os interesses
de outros na manutenção do status
quo.
“É natural, portanto, que as ações afirmativas – mecanismo
jurídico concebido com vistas a quebrar essa dinâmica perversa –,
sofram o influxo dessas forças contrapostas e atraiam considerável
resistência, sobretudo, é claro, da parte daqueles que
historicamente se beneficiam ou se beneficiaram da discriminação de
que são vítimas os grupos minoritários”, enfatizou.
O
racismo é mais do que uma prática social de exclusão social e de
renda. É algo que se instala no coração das pessoas, é a
perpetuação das práticas do escravismo: da crueldade, da agressão
gratuita, da humilhação, da falta de humanidade, da ausência de
espiritualidade, da produção e reprodução da miséria. É
evidente a urgência de uma abordagem de origem espiritual, que possa
tocar e transformar o coração humano, tanto quanto de medidas
jurídicas apropriadas, para que o problema possa ser definitivamente
superado. Passados 125 anos desde a abolição da escravatura, num
mês de maio, 1888, e o país contínua a discriminar negros, índios,
pobres. Os Escritos bahá'is reforçam a necessidade de uma tal
abordagem, afirmando que: ”o racismo, um dos males mais funestos e
persistentes, constitui um obstáculo importante no caminho da paz. A
prática perpetra uma violação demasiado ultrajante da dignidade
dos seres humanos para poder ser tolerada sob qualquer pretexto. O
racismo impede o desenvolvimento das potencialidades ilimitadas das
suas vítimas, corrompe os seus perpetradores e desvirtua o progresso
humano.”
No
momento, entretanto, é o que vemos: uma sociedade que seguindo um
modelo excludente, continua ultrajando a dignidade de milhões de
cidadãos, impedindo a concretização de acalentados sonhos e
privando o país de uma prosperidade mais ampla e rica, uma vez que
baseada numa sociedade da diversidade.
*Antônio
Gabriel Marques Filho, membro da Comunidade Bahá'í de Salvador
(BA).
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