A ascensão e queda de civilizações têm sido eventos esporádicos, mas constantes na história de nossa humanidade. Basta uma olhadela no passado e ali veremos os vestígios das já sepultadas civilizações persa, egípcia, romana, dentre outras. Estou profundamente persuadido a declarar que estamos presenciando, agora mesmo diante de nossos olhos, a derrocada de nossa própria civilização – européia, americana, dita ocidental, assim também como da islâmica.
O desmoronamento das estruturas sociais vigentes é evidente, embora vejamos também destacados sinais do emergir de um novo mundo, o nascimento de uma nova cultura, de uma civilização mais ampla – a própria ‘planetização da humanidade’.
As características deste novo mundo são evidentes e estão igualmente cristalizando-se à nossa frente. Conceitos de sustentabilidade ambiental e econômica, os valores da unidade na diversidade, a interconectividade entre os vários povos e culturas, sistemas de governança global, a unificação dos sistemas de pesos e medidas, a escolha de um idioma auxiliar internacional, a eliminação de barreiras comerciais e a solidificação do conceito de cidadania mundial permeiam desde o nosso dia-a-dia até os debates internacionais.
Embora um conjunto de fatores sempre favoreça a ocorrência de tais monumentais mudanças no curso da história – em especial o afastamento dos princípios corretos e centrais que sustentam a ordem vigente – eventos concomitantes, por seu turno, marcam o ponto de mutação, liberando as forças espirituais capazes de um renascimento civilizatório, geralmente atrelados ao aparecimento do Paracleto – iniciador e promulgador de um novo modo de vida e de visão de mundo. A força criativa de suas palavras e uma correspondente ressonância de seus pensamentos por parte de uma minoria que rapidamente se expande e a consequente cristalização de tal força em pequenas e vibrantes comunidades, que segue em continuada expansão, caracterizam o início de um processo de longa duração, que no tempo e espaço pode durar alguns séculos. Posso afirmar, com todos os riscos inerentes, que o ponto primordial da atual transformação que vivenciamos teve seu início na antiga Pérsia – atual Irã, na segunda metade do século dezenove, na figura carismática de Siyyid 'Ali-Muhammad – conhecido como o “Báb” – literalmente o Portal, que com a idade de 25 anos proclamou-se como o arauto do Dia de Deus, como “Aquele cujo Nome adornou tanto o Torah como o Evangelho”, o “Grande Anúncio”.
Descendente direto do profeta Maomé, a doçura de suas palavras e o encanto de sua conduta rapidamente galvanizaram multidões através do país, suscitando paralelamente a atenção, a inveja e a fúria de uma clerocracia fanática e ignorante, embora os ensinamentos do Báb convocassem a todos a “tornarem-se como verdadeiros irmãos na religião una e indivisível de Deus, livres de qualquer discriminação” e conclamando a todos a “fazer de seus corações espelhos para os irmãos na Fé, de modo que cada um se encontrasse neles refletidos, e eles se vissem refletidos nos demais”.
Desde tenra idade, o Báb já havia alcançado a admiração de seus concidadãos, devido ao seu conhecimento inato, abordando e esclarecendo intrincadas passagens do Alcorão para diferentes autoridades eclesiásticas do Islã, que sempre o convidavam no intuito de apreciar suas explicações. A gentileza de suas palavras, gestos e ações eram como um imã, atraindo a crescente atenção e admiração não apenas do alto clero, mas da população em geral. Ainda que sua mensagem fosse essencialmente de esperança, unidade e paz, anunciando a chegada do tempo para uma Nova Ordem, por instrução e ordem do clero foi suspenso por cordas e fuzilado em praça pública, na cidade de Tabriz, no ano de 1850; fato amplamente divulgado por autoridades consulares servindo na antiga Pérsia e publicada nos principais jornais da Rússia, França e Inglaterra.
Entre nós ocidentais, Eçá de Queiróz galvanizado pelo encanto juvenil do Báb, declarou em seu livro ‘Fradique Mendes’: "Calado, invadido pelo pensamento do Báb - o Arauto da Fé Bahá’í - revolvia comigo o confuso desejo de me aventurar nessa campanha espiritual... Por que não? Tinha a mocidade, tinha o entusiasmo... Via-me discípulo do Báb... E partia logo a pregar, a espalhar o verbo babista. Onde iria? A Portugal, certamente, levando de preferência a salvação às almas que me eram mais caras". O certo é que em apenas um século e meio o número de seus seguidores cresceu e multiplicou-se rapidamente, encontrando-se agora em mais de 150 mil localidades através do globo, tornando a comunidade bahá’í a segunda religião geograficamente mais distribuída no planeta, conforme atestado pela Enciclopédia Britânica.
Trazendo à luz a compreensão de que os Fundadores das grandes religiões mundiais – Moisés, Khrisna, Buda, Zoroastro, Cristo, Maomé – são todos Manifestações de um mesmo e único Deus; apresentou ele o conceito da Revelação Progressiva, a qual promove não apenas a unidade religiosa, eliminando as ultrapassadas e freqüentes disputas entre seguidores das diferentes fés, mas aponta para uma perspectiva unificadora da religião. Os ensinamentos do Báb abrem um novo capitulo na Revelação direta de Deus aos homens, deixando para trás o período da infância, e abrindo-se os portais da maturidade humana.
Destacando, então, o papel da religião como uma força de transformação social, conducente ao estabelecimento de relações pacíficas entre povos e das mais diferentes tradições religiosas da humanidade, os ensinamentos do Báb reforçam a compreensão positiva de que os fundadores das grandes religiões mundiais devem ser vistos como os Educadores da humanidade, agentes de um processo civilizatório único, de cujos ensinamentos podemos colher benefícios incalculavelmente maiores dos efeitos cumulativos das suas sucessivas missões, em especial agora quando adentramos um período similar ao da maioridade coletiva.
O Brasil, país que abriga em seu seio uma diversidade de povos de origem indígena, africana, européia, asiática e outras – numa representação da própria diversidade biológica, bem pode se orgulhar de tamanha riqueza e capital humano; mas têm apresentado manifestações espasmódicas de intolerância religiosa, as quais precisam ser enfrentadas com determinação, conhecimento e amor, à luz do Direito, evitando-se que a religião – fonte primária de união, venha a ser transformada – por lideranças cegas e apegadas ao poder temporal – em fonte de atrito, luta e ruína.
A persistência de certas lideranças em transformar a religião em fonte de discórdia e lutas, faz emergir consequências desastrosas, isto é, a perversão da natureza humana, a degradação do comportamento humano, a corrupção e a dissolução das suas instituições. Nestas condições, conforme a visão do Báb, “o caráter humano é aviltado, a confiança é abalada, os nervos da disciplina são relaxados, a voz da consciência humana é silenciada, o sentido da decência e da vergonha é velado, os conceitos do dever, da solidariedade, da reciprocidade e da lealdade são distorcidos, e os próprios sentimentos de paz, alegria e esperança extinguir-se-iam gradualmente.”
No Brasil onde o número de seguidores da Fé Bahá’í e simpatizantes de seus princípios somam-se aos milhares, um esforço genuíno e concentrado é feito para a criação de espaços coletivos de espiritualidade e conexão com o sagrado; classes voltadas à educação e nutrição do caráter das crianças; atividades que possam canalizar positivamente as enormes energias criativas dos pré-jovens, além de círculos de estudos para o aprimoramento pessoal dos adultos. Estas iniciativas reforçam o reconhecimento da nobreza dos seres humanos e potencializam o protagonismo social individual e coletivo tão fundamentais para o desencadeamento de uma nova civilização, fazendo florescer em pleno 2012 a visão de mundo trazida pelo Báb.
Gabriel Marques – Publicitário, membro da African Latin American Research Association.
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