Numa carta aberta sem precedentes, os bahá’ís do Egito dizem que a nação deve olhar para além de soluções utilitárias e modelos existentes em outras sociedades e, em vez disso, buscar “uma nova abordagem realmente progressista”.
Fazer uma “escolha esclarecida” pode influenciar o curso do desenvolvimento humano na região toda e ter impacto até mesmo sobre o mundo, diz a carta.
Tal abordagem incluiria o engajamento de todas as pessoas interessadas – especialmente os jovens – numa conversação nacional, pela qual se tornariam protagonistas de seu próprio desenvolvimento. É dada ênfase também na identificação e aplicação de princípios básicos fundamentais, e que se evite a tentação de passar com demasiada rapidez a negociações e decisões acerca da distribuição de poder.
A representante da Comunidade Bahá'í do Brasil, Mary Aune, explica que, dentro dos preceitos da Fé Bahá'í, a consulta entre todos os indivíduos envolvidos em um determinado assunto é fundamental e indispensável para se tomar qualquer decisão. “É importante ouvir os diferentes atores para que se possa ter uma compreensão mais abrangente de qualquer tema que esteja sendo discutido. A riqueza de opiniões e experiências é o que torna o processo de consulta tão valioso”, afirmou Mary.
Desde sua liberação neste mês, a carta foi entregue a figuras proeminentes da vida pública do Egito – incluindo líderes religiosos, políticos, advogados, ativistas de direitos humanos, escritores e artistas. Também circulou na imprensa e na mídia, e está sendo amplamente difundida através de websites e blogs.
A publicação on-line da carta já está gerando reações positivas. Um leitor qualificou-a de uma “declaração humanitária, civil e progressista muito profunda”.
“A carta que acabei de ler é como um guia para muitos anos que virão”, comentou outro.
“Vamos dar cada passo na construção do nosso novo Egito com bastante atenção, paciência, consulta e confiança...” escreveu ainda outro.
Um processo de consulta
Na carta, os bahá’ís do Egito sugerem que o desafio que se apresenta a seu país é iniciar um processo de consulta a respeito de princípios que deverão orientar a reformulação da sociedade.
Os egípcios evitarão o risco de cair no padrão de qualquer modelo existente – que não vê qualquer vantagem em capacitar as pessoas – de modo que todos possam ser capacitados a participar de processos de consulta.
“O contínuo e amplo envolvimento da população num processo consultivo como este terá um longo caminho para persuadir os cidadãos de que os responsáveis pelas definições políticas almejam a criação de uma sociedade justa. Dada a oportunidade de participar em tal processo, seremos confirmados em nossa consciência recém despertada de que temos a posse do nosso próprio futuro e perceberemos o poder coletivo que já possuímos para transformar a nós próprios”, diz a carta.
Princípios essenciais
A carta sugere também que os egípcios considerem cuidadosamente uma série de princípios, essenciais para orientar a reformulação da sua sociedade.
“Muito frequentemente, mudanças criadas a partir do protesto popular resultam afinal em desapontamento... Por isso, é vital que nós nos empenhemos em adquirir um consenso mais amplo sobre os princípios de funcionamento que irão moldar um novo modelo para nossa sociedade”, escrevem os bahá’ís do Egito.
“Esta é uma tarefa meticulosa. Não será uma realização insignificante formar, a partir de concepções divergentes, uma série coerente de princípios com poder criativo para unificar nossa população.”
Tais princípios incluem: a igualdade entre homens e mulheres, a educação universal – oferecendo os melhores meios para salvaguardar a liberdade que as pessoas conquistaram; e a promoção de um novo espírito que combine o respeito pela pesquisa científica e os valores da religião como o melhor caminho para o progresso material.
Uma “sociedade madura demonstra uma característica acima de todas as outras: o reconhecimento da unicidade da humanidade”, afirma a carta. “É auspicioso, portanto, que as mais duradouras lembranças dos meses recentes não é de divisão religiosa ou conflito étnico, mas das diferenças sendo deixadas de lado em favor de uma causa comum.”
Uma “conversação nacional”
Começando a “conversação nacional”, solicitada pela carta, leitores online têm compartilhado seus comentários em sites. Aqui está uma amostra de algumas observações:
“Construir um novo caminho, seguindo as diretrizes delineadas nesta vigorosa carta... não somente beneficiaria toda a população do Egito, mas também inspiraria todos os países do mundo. Suplicamos que Alá guie aqueles que tomam decisões para avaliarem cuidadosamente estes princípios zelosamente propostos pelos bahá’ís.”
“A escolha que temos é adotar [estes princípios] e fazer a transição relativamente sem dor, ou rejeitá-los, tornando tudo infinitamente mais difícil.
“Estou muito esperançoso que os líderes políticos e formadores de opinião do Egito levem em consideração esta poderosa prescrição. Eles não têm muita escolha quando se trata da ordem social, harmonia e respeito aos direitos das minorias...”
"Esta surpreendente declaração...é tanto sublime quanto prática. Que todos os egípcios sejam solicitados a ler e discuti-la minuciosamente antes de tomar qualquer decisão sobre o futuro de seu glorioso país.
Momento decisivo
A carta aberta é a primeira oportunidade que os bahá’ís do Egito – que têm enfrentado repressão por mais de 50 anos – tiveram para se comunicar diretamente com seus compatriotas.
Esta é uma chance pela qual temos ansiado”, escrevem os bahá’ís, regozijando-se que “num momento tão crítico da história do nosso país, somos capazes de dar uma humilde contribuição às conversações que ora começaram acerca de seu futuro e para compartilhar algumas perspectivas obtidas da nossa experiência, e dos bahá’ís ao redor do mundo, quanto aos prerrequisitos para caminhar em direção a uma prosperidade material e espiritual duradoura.”
Um decreto presidencial, emitido em 1960, e posteriormente reforçado pelos governos subsequentes, dissolveu as instituições administrativas bahá’ís e proibiu atividades organizadas. Seguiram-se detenções, investigações, fiscalizações policiais, buscas em casas e destruição de literatura bahá’í. Ademais, como os bahá’ís não podiam casar legalmente, não tinham qualquer recurso diante das cortes quanto a reconhecimentos familiares, pensões, herança, divórcio, meios de subsistência e guarda de filhos.
Nos últimos anos, os bahá’ís do Egito sofreram discriminação pelas leis nacionais, que nos documentos governamentais exigiam referência à religião do indivíduo – a qual limitou-se também a uma das três religiões oficiais. Após uma prolongada campanha na qual numerosos defensores de direitos humanos e pessoas de boa vontade apoiaram a comunidade Bahá’í, os tribunais decidiram a seu favor, uma decisão amplamente vista como uma vitória para a liberdade de pensamento e consciência.
A despeito desses e outros exemplos de opressão, os bahá’ís do Egito mantiveram sua perspectiva positiva e – como um princípio fundamental de sua fé – continuaram a empenhar sua energia à melhora de sua sociedade.
“Tenho a esperança de que todos os esforços sejam combinados em prol de um Egito melhor para todos nós e não para o interesse de um grupo de pessoas às custas dos demais” observou um leitor online da carta aberta.
Para ter acesso ao texto da carta (em inglês), acesse http://www.bahai-egypt.org/2011/04/open-letter-to-people-of-egypt.html.
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