MARCOS ALAN FERREIRA
Professor Assistente no Departamento de Relações Internacionais da ESPM-SP. É também membro do GEICD/UNESP e NPPA/UNESP.
O cenário politico iraniano foi alvo de detidas análises pelas agências de notícias nacionais e internacionais na última semana. Os protestos e a violência que se seguiu às eleições de 12 de junho estarreceram o mundo e geraram diversos questionamentos sobre o regime teocrático fundado em 1979 com a Revolução Islâmica liderada por Aiatollah Khomeini. Em alguns veículos de imprensa, o debate foi sobre o porquê de um ataque tão forte ao governo iraniano quanto à violação de direitos humanos, se outros governos como o dos EUA os violam em outros contextos como o de Guantánamo. Creio que neste sentido devemos tomar o cuidado para não cair em uma armadilha de um pensamento simplista de “se o mais poderoso faz, por que o mais fraco é criticado?” Primeiro, ambos devem ser criticados e o caso de Guantánamo foi amplamente criticado pela imprensa e produtores culturais – inclusive com a produção do ótimo filme “Caminho para Guantánamo”. Da mesma maneira, não há como ser piedoso nas críticas ao que o governo iraniano tem feito, com participação inclusive do candidato opositor a Mahmoud Ahmadinejad, Mir Hossein Mousavi. Nunca é demais lembrar que durante o período que Mousavi foi o Primeiro-Ministro do Irã (1981-88), o país julgou e executou diversos opositores e minorias. Entre estas, estavam dez mulheres condenadas à forca em Shiraz por ensinarem no ano de 1983 a Fé Bahá’í – religião surgida no Irã no século XIX que prega basicamente a unidade das religiões, da humanidade e do gênero humano. Neste caso em especial foi estarrecedor e alvo de críticas internacionais a morte de Mona Mahmudnizad, jovem de 17 anos que foi julgada por dar aulas de religião bahá’í para crianças, uma espécie de escola dominical desta Fé. Mona foi interrogada e torturada antes de sua execução, fato mostrado pelas feridas visíveis em seu corpo posteriormente no necrotério. Se antes a mártir pela liberdade no Irã fora Mona, a nova vítima mais uma vez é uma mulher, Neda Agha Soltan. É compreensível que a morte de Neda fosse mais divulgada que a de Mona. Haja vista que Neda viveu sua mocidade na era da comunicação, na qual infelizmente a imagem do selvagem tiro que acertou seu rosto foi amplamente divulgada através do YouTube. Mas a brutalidade e a crueldade da morte das duas foram similares. Ambas, digase de passagem, foram vítimas da ignorância religiosa e do apego ao poder do regime teocrático iraniano. Mona e Neda não são as únicas que sofrem na mão do governo persa e seus aliados civis (em especial os basij, policiais civis à paisana que podem andar armados e que são pejorativamente e ironicamente denominados em Teerã como “polícia moral”). Em 2005, a região de Mahabat assistiu a um assassinato público de 20 curdos que protestavam pelos direitos civis. Como informa a Anistia Internacional, na ocasião a saída para conter o protesto foi simples e efetiva: abrir fogo com fuzis AK- 47 contra a multidão curda que protestava pacificamente. Outros casos estarrecedores se multiplicam, como a morte de azerbaijanos. Como exemplo é importante lembrar do caso recente de Mehdi Qahemsadeh, julgado e morto em 2008 por ser um “inimigo do islã”. Neste contexto cabe questionar: é justo relativizar a violação dos direitos humanos no Irã atual? O sangue de Mona, Qahemsadeh e Neda não pode ser relativizado por uma discussão de quem viola mais os direitos humanos. É fato conhecido que o governo que subiu ao poder em 1979 não relativiza nos tiros, forcas e cassetetes. Neste sentido, torna-se cada vez mais importante a divulgação e a condenação ao governo de Teerã, sem relativismos e com plena consciência de que ali existe um governo que nada tem de teocrático, mas que tem muito do fascismo, no sentido mais amplo do termo.
Marcos Alan Ferreira
Professor Assistente no Departamento de Relações Internacionais da ESPM-SP.
É também membro do GEICD/UNESP e NPPA/UNESP.
Um comentário:
Que grande consciência desse texto! Parabéns ao autor e a quem postou.
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