A II Conferência Nacional da Paz, que será realizada na próxima terça-feira (05/12) na Câmara dos Deputados, traz várias oportunidades de reflexão. (Veja mais em http://secext-bahai.blogspot.com/2006/11/ii-conferncia-nacional-da-paz-0512-em.html)
Leia abaixo artigo do Dr. Feizi Milani, do INPAZ - parceiro da Comunidade Bahá'í:
O papel do Estado brasileiro na construção de uma cultura de paz
A paz tornou-se necessidade básica para a população brasileira e meta para os governantes do país. Essa emergência no plano das prioridades é positiva, mas há ressalvas a serem feitas. Primeiro, que a paz, tal como surge na maioria dos discursos, ainda é entendida de forma reducionista, fundamentalmente vinculada à redução da criminalidade e das mortes violentas. Segundo, no senso comum, a paz assume o caráter abstrato e idílico de um ideal que todos desejam, mas pouquíssimos se dispõem a construir. Via de regra, a paz é percebida como uma condição estática e definitiva, um estado ou lugar que, uma vez alcançado, estará garantido para sempre. Ou seja, é vista como ponto de chegada e não como caminho, processo, construção.
“Cultura de Paz” é a paz em ação. Construir uma Cultura de Paz é promover as transformações necessárias e indispensáveis para que a paz seja o princípio governante de todas as relações humanas e sociais. É uma cultura que se fundamenta em valores como respeito à vida, valorização da diversidade, justiça, solidariedade, tolerância, direitos humanos, igualdade entre homens e mulheres, combate à pobreza e exclusão, liberdade política e equilíbrio ecológico. Esses valores precisam se traduzir concretamente em atitudes e estilos de vida, em participação cidadã, nas estruturas econômicas e legais, nas relações políticas internacionais, dentre outros elementos. Trata-se de um desafio gigantesco, pois as referidas transformações precisam ocorrer em vários níveis: individual, familiar, comunitário, das organizações privadas e públicas, e dos Estados nacionais.
Aqueles que desejam participar da construção de uma Cultura de Paz precisam pensar e atuar em dois níveis – o micro e o macro. O primeiro refere-se ao indivíduo: seu comportamento, sua vida familiar e suas relações na comunidade, local de trabalho e círculo de amizades. As possibilidades de ação neste nível são quase infinitas, porque toda pessoa pode fazer algo em prol da paz, como sua parcela de contribuição. Além disso, é preciso atuar também no nível macro, ou seja, repensar os processos sociais, definir estratégias de mudança coletiva, criar políticas públicas, estruturas institucionais e programas educativos e sociais condizentes com os valores da paz. Este nível implica na mobilização e articulação de diversos atores sociais, inclusive em esforços para influenciar o Estado. Os níveis micro e macro são complementares, interdependentes e precisam ser trabalhados simultaneamente.
A construção da paz, no Brasil, implica em escrutinarmos a nossa cultura no intuito de identificarmos seus elementos de violência, bem como os de paz. Temos, de um lado, taxas de homicídio elevadíssimas e níveis escandalosos de corrupção, que denunciam desprezo pela vida e pelo bem-estar coletivo. De outro, temos traços como o acolhimento ao estrangeiro, a abertura ao novo, a flexibilidade, o otimismo, o desejo de ajudar e o senso de humor. De um lado, uma impiedosa e persistente exclusão social; de outro, um extraordinário senso de solidariedade entre os excluídos. De um lado, um racismo entranhado e negado, e do outro, uma miscigenação étnica que abre perspectivas para que o Brasil venha a ser um modelo de unidade na diversidade para toda a humanidade. A questão mais importante a considerar é que passos concretos podem e precisam ser dados para que a cultura de paz prepondere.
É incompreensível que, num país como o nosso, a Educação para a Paz ainda não tenha sido incorporada aos currículos – desde a Educação Infantil até o Ensino Superior, assim como nos projetos sócio-educativos do Terceiro Setor. É preciso garantir que todas as crianças, adolescentes e jovens vivenciem os valores e desenvolvam as competências indispensáveis à criação de ambientes, comunidades e sociedade mais justos, inclusivos, participativos e solidários. A criação e implementação de políticas públicas direcionadas à Educação para a Paz precisa ser assumida como objetivo prioritário, pelo Estado brasileiro.
Outro passo fundamental a ser dado pela sociedade brasileira refere-se à ética. Ela deve se tornar a primeira consideração, o fundamento e o eixo transversal de todos os empreendimentos, principalmente nos campos da política, da ação governamental, do empresariado e da mídia. Esses quatro setores têm uma responsabilidade especial, pois exercem forte influência na vida dos cidadãos, além do impacto moral e psicológico, cada vez que dão um mau exemplo.
Se o Estado brasileiro assumir a promoção de uma Cultura de Paz como um objetivo a ser alcançado, será necessário conceber e implementar políticas públicas integradas e intervenções multi-estratégicas, fundamentadas na educação, na saúde, na melhoria da qualidade de vida, e na participação cidadã (com especial ênfase no protagonismo infanto-juvenil).
A jornada é gigantesca, mas ela se inicia quando damos o primeiro passo. Cada pequeno passo é valioso, pois, como ensinou e demonstrou Mahatma Ghandi, toda ação moralmente correta já é, em si, uma vitória.
* Doutor em Saúde Pública. Fundador do Instituto Nacional de Educação para a Paz e os Direitos Humanos (INPAZ). Professor da Escola Bahiana de Medicina. Contatos pelo site www.feizimilani.com.br
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